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Explosão Fixa

2017

Instituto Ling, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Curadoria: Eder Chiodetto

O dom de iludir a percepção visual até que a faculdade do olhar imante e reordene poeticamente a lógica e o sentido das coisas está na raiz da construção meticulosa de cada obra de José Patrício. Ao lançar mão de estratégias eminentemente formais e aritméticas, que desdobram e revigoram de forma vertiginosa os preceitos do projeto construtivista, o artista recifense cria um lugar original no campo da arte, na fronteira entre a pintura, o desenho e a assemblage.

Nesse processo, Patrício sequestra dos objetos industriais feitos em série, como botões, pregos, dados e peças de quebra-cabeça, suas funcionalidades no mundo para, então, inseri-los numa ordenação lúdica que visa exaurir e transpassar a objetividade matemática que eles obedecem ao serem assentados no plano.

Nosso olhar vagueia na vã tentativa de apreender a unicidade de cada parte, pois logo é tragado pela voragem resultante do conjunto, que em geral se organiza das bordas para o centro ou vice-versa. Outras vezes, os quadrados ou os retângulos do suporte que comportam tais combinações nos dão a clara sensação de que estão a ponto de implodir seus limites físicos para expandirem-se ao infinito.

São lúbricos e sensuais esses símbolos em permanente movimento que deslizam e embotam o nosso campo sensório. Uma explosão que, paradoxalmente, ao ser fixada na tela, rebela-se com sua condição estática. Uma explosão fixa que se expande em espirais que não cessam jamais. Vertigem óptica.

A esse conjunto de obras que perpassam a trajetória artística de Patrício, soma-se agora uma seleção de fotografias inéditas exibidas pela primeira vez nesta exposição do Instituto Ling. Aqui temos uma nova postura do artista. Ao sair do ateliê, onde trabalha incessantemente na construção de suas obras, para percorrer o mundo como um andarilho errante que porta uma máquina fotográfica, seu olhar se volta para a cultura popular, as vitrines e momentos de tensão entre forma, luz e arroubos cromáticos.

Se nas obras que o artista cria a partir de objetos industrializados observamos um rigor metódico que, ao ser exaurido pela repetição, precipita-se para o encontro com o acaso poético, nas fotografias o movimento parece se dar ao contrário: é o acaso, ou até mesmo o caos do mundo, que em determinados momentos oferta aos olhos desse curioso fotógrafo instantes fortuitos em que uma improvável harmonia conecta elementos díspares. Como escreve o poeta Octavio Paz: “A luta se resolve no poema, com o triunfo da imagem que abraça os contrários sem aniquilá-los”.

Esse triunfo da imagem, que expande os limites do próprio objeto, pode ser observado também na instalação “Espelhamentos” (2017), que Patrício criou a partir da observação da maneira como um camelô organizava os espelhos para vendê-los em sua improvisada banca na rua. Os caminhos labirínticos pelos quais comumente se aventura nossa visão ao deparar-se com as obras mais conhecidas de Patrício encontram na expressão popular o seu leitmotiv.

“Espelhamentos” é também uma metáfora precisa do jogo fotográfico. Ângulos, pontos de vista, reflexos e diluição das fronteiras entre objeto e representação e entre imagem e imaginação saltam com vigor surpreendente a partir do posicionamento dos espelhos, que visa criar um circuito de olhares rebatidos entre os próprios.

Deambulando entre o acaso da lógica e a lógica do acaso, Patrício nos apresenta um transbordamento do sentido racional que tende a enclausurar e a embotar a nossa compreensão sensível do mundo. Suas obras reivindicam uma acepção menos dogmática e mais lúdica da nossa relação com o entorno visível e nem sempre palpável. Um exercício libertário, uma nova e inspiradora forma de ser e estar no mundo.

 

Este texto foi originalmente escrito como apresentação da exposição individual de José Patrício Explosão Fixa, no Instituto Ling, Porto Alegre, em agosto de 2017.