José Patrício e a matemática da delicadeza

Matemática e sedução. A exposição de José Patrício na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, que saiu de cartaz no último domingo, mostrou que estes não são universos tão díspares. Uma seleção de trabalhos especialíssima feita pelo curador Paulo Herkenhoff deixou clara a estrutura da obra do artista pernambucano, que há dez anos não fazia uma individual na cidade. Mais conhecido por suas “pinturas” com dominós, Patrício podia ser experimentado na Caixa num tempo de delicadeza, com a geralmente acanhada galeria do andar térreo transformada em um espaço quase musical.

Música é matemática… e muito mais. O mesmo acontece com Patrício. De longe, o trabalho que você vê lá em cima, numa panorâmica, dá a impressão de ser formado por áreas de cores, num pontilhismo abstrato, depois de Seurat… ou como um Pollock coagulado, com as caóticas áreas de cor mais estanques. De perto, os botões com seus formatos variados (à direita) empurram a visão para a ponta-cabeça, revelando a artesania, as imperfeições e um raciocínio menos linear e mais enviesado. Matemática, como disse desde o princípio, mas naquilo que ela revela de mais sublime e surpreendente.

Além desta superfície multicolorida, havia na Caixa duas “telas” feitas com botões de diferentes tipos, mas de uma só cor: uma vermelha, voluptuosa em seus pequenos volumes, e outra num azul-turquesa de Matisse… ou vindo da luminária posta na porta de entrada de um armarinho de miudezas da Saara. O turquesa, diz a tradição, espanta os maus espíritos.

Dois trabalhos feitos com pregos traziam à tona a espinha dorsal do raciocínio do artista. Ele também apareceu com potência máxima nas  duas paredes com “pinturas” feitas de dominó, tanto com peças inteiras quanto com estes volumes “descascados”, desprovidos de suas áreas pretas, apenas com o corpo dos números representados.

Digo “corpo”  porque, num dominó, o que vemos não é a representação da álgebra, alusiva, mas os números eles-mesmos, como pontos passíveis de contagem. Dominó é matemática visual,  assim como o ábaco, tabuleiro que podia estar no balcão daquele mesmo armarinho da Saara calculando preços e trocos no barulho – música, tato, Patrício! – de suas contas.

Com “corpo” e visualidade, as séries matemáticas que o artista dispõe sobre a superfície plana ganham um imenso poder sedutor. A vertigem de pontos brancos e bailarinos é como um labirinto: vem o desejo de entrar, se perder e ficar ziguezagueando por lá, contando e cantando.

Este texto foi originalmente escrito para o site da autora, comentando a exposição individual José Patrício: O Número, na Caixa Cultural, Rio de Janeiro, em março de 2010.

Extraído do link: http://daniname.wordpress.com/2010/03/10/jose-patricio-a-matematica-da-delicadeza/

José Patrício and the Mathematics of Kindness

Mathematics and seduction. José Patrício’s exhibition at Caixa Cultural in Rio de Janeiro, which ended last Sunday, showed that these universes are not so disparate. A very special selection by curator Paulo Herkenhoff of works by this artist from Pernambuco, who had not held an individual exhibition in this city for ten years, made their structure clear. Best known for his ‘paintings’ with dominoes, Patrício could be experienced at Caixa in a time of delicacy, with the usually shy gallery on the ground floor transformed into an almost musical space.

Music is maths… and much more. The same goes for Patricio. From afar, the work you see up there, in a panoramic view, gives the impression of being formed by areas of colour, in an abstract pointillism, after Seurat… or like a coagulated Pollock, with his chaotic areas of colour that are more watertight. Up close, the variously shaped buttons (to the right) push an upside down vision, revealing craftsmanship, imperfections, and less linear, more biased reasoning. Mathematics, as I said from the beginning, but revealed at its most sublime and surprising.

In addition to this multicoloured surface, there were two ‘screens’ in the Caixa made with buttons of different types, but of a single colour: one red, voluptuous in its small volumes, and the other in a Matisse turquoise blue… or coming from the lamp placed on the door to a Sahara haberdashery shop. Turquoise, says tradition, scares away evil spirits.

Two works made with nails brought out the backbone of the artist’s reasoning. He also appeared with full impact on the two walls with ‘paintings’ made of dominoes, both with whole pieces and with these ‘peeled’ volumes, devoid of their black areas, with only the body of the numbers represented.

I say ‘body’ because, on a domino, what we see is not the representation of the allusive algebra, but the numbers themselves, as points that can be counted. Domino is visual mathematics, just like the abacus, a board that could be on the counter of that same Sahara haberdashery calculating prices and change in the noise – music, touch, Patrício! – of its accounts.

With ‘body’ and visual scope, the mathematical series that the artist places on the flat surface gain an immense seductive power. The vertigo of white dots and dancers is like a labyrinth: there is the desire to enter, lose oneself and zigzag around there, counting and chanting.

This text was originally written for the author’s website, commenting on the individual exhibition José Patrício: O Número, at Caixa Cultural, Rio de Janeiro, in March 2010.

Extracted from the link: http://daniname.wordpress.com/2010/03/10/jose-patricio-a-matematica-da-delicadeza/