Caminhantes

Conhecer o trabalho de José Patrício, realizado com peças de dominó, me fez lembrar as grandes mandalas de areia que os monges do budismo tibetano constroem pacientemente, como forma de meditação. Em sânscrito, mandala significa círculo. Muitas vezes, porém, esse desenho complexo inclui, e se completa, com a forma do quadrado. A mandala de areia, formada de cores e figuras simbólicas, leva dias e dias para se configurar. Assim que a mandala é concluída, imediatamente os monges desfazem a imagem. A areia é jogada em um rio, para que se espalhem as bênçãos simbolizadas pela realização da mandala e suas imagens. Nesse ritual, a dissolução da mandala serve como exemplo da impermanência, tema de reflexão da filosofia budista.

No trabalho com o dominó, José Patrício se apropria das peças do jogo tradicional, ordenando-as sob uma nova lógica e transportando a ideia do jogo competitivo para o espaço da simples contemplação, da pura beleza. Patrício utiliza as peças do jogo, suas cores e padrões numéricos, criando tapetes que cobrem o piso dos espaços expositivos. Por meio de um minucioso trabalho manual, o artista perfura as peças plásticas de dominó e as costura umas às outras, unindo-as em movimento de espiral com a ajuda de finos cabos telefônicos. Como no trabalho meditativo dos monges, a elaboração manual da obra de Patrício sugere o exercício meditativo e a tentativa de ordenar a natureza caótica do universo.

Tapete Binário, obra escolhida pelo artista pernambucano para a exposição Caminhantes, atrai nosso olhar pela sedutora organização gráfica, realizada apenas com peças de dominó de números 1 e 0, nas cores preto e branco. A obra sugere contrastes e dualidades: a ideia do sistema binário dos circuitos de informática se contrapõe ao árduo trabalho manual utilizado em sua construção. O artista reflete sobre a tendência da arte contemporânea de utilizar as mídias tecnológicas de ponta e confronta esses meios com o trabalho manual das antigas tradições. E na impossibilidade de caminharmos sobre o tapete tecido por José Patrício, a ideia da impermanência budista parece se reafirmar.

Este texto foi originalmente escrito como apresentação da exposição coletiva Caminhantes, no Instituto Ricardo Brennand, Recife, em outubro de 2003.