A arte da repetição e o dom de iludir

Para serem percebidas desde inúmeros pontos de vista, as construções combinatórias de José Patrício configuram-se no universo múltiplo da visualidade contemporânea. Em uma metódica ação edificada, que não elimina, mas deixa perceber o gesto do seu pensado fazer, Patrício escolhe, seleciona, projeta e monta suas arquiteturas, que se tornam complexas e grandiosas a partir de pequenos objetos simbólicos do cotidiano.

Como quem joga, o artista acrescenta à obra a contagem numeral, por meio de cores e formas que se misturam em profusões geométrico-abstratas, criando um alfabeto disponível à investigação e à leitura. Nesse sofisticado banquete de ideias formais, não há monotonia, mas uma regência magistral de um assemblage construtivo que, com suas possíveis permutações geométricas de alto efeito cinético e primorosa artesania, ilude o espectador; pois, ora compara-se às tramas tradicionais de fazeres utilitários, ora confunde-se com desenhos digito-computacionais.

O instalar-se dessa ilusão faz parte do jogo do artista e da arte inteligente, uma vez que a relação de Patrício com o objeto engendra dúvida sobre a natureza das coisas, em um exercício mental de proposição somente admitido no âmbito da alta arte: o que é mero artefato da vida cotidiana é, também, módulo compositivo do projeto artístico. Essa dualidade, a priori, é o principal paradigma dessa rigorosa concepção plástica, na qual o enigma é o que nos atrai como um imã.

O que impressiona no conjunto da obra de José Patrício são os meios de aproximação que faz do uso de objetos populares e seu transporte para a erudição. Suas proposições acalentam possíveis namoros com clássicos modernos, como a Teoria da Gestalt, que estabelece, a partir do olhar, relações entre o detalhe e o todo; o artista Marcel Duchamp, que revolucionou a história da arte com a musealização dos objetos industriais; e o escritor Stéphane Mallarmé, pioneiro modernista, autor do emblemático poema “Un coup de dés jamais n’abolira le hasard”.

Este texto foi originalmente escrito, em Brasília, Brasil, em julho de 2018.

The Art of Repetition and The Gift of Deception

In order to be perceived from numerous vantage points, José Patrício’s combinatorial constructions are arranged in the multiple universe of contemporary visuality. In a methodical building action that does not eliminate, but rather lets the gesture of his meticulous craft show, Patrício chooses, selects, designs and assembles his architectures, which become complex and grandiose through small symbolic objects of everyday life.

Like someone who is playing a game, the artist adds numeral computation to the work through colors and shapes that blend into geometrical-abstract profusions, creating an alphabet available to reading and investigation. In this sophisticated banquet of formal ideas, there is no monotony, but a masterful conducting of a constructive assemblage that, with its possible geometrical permutations of high kinetic effect and exquisite craftsmanship, deceives the spectator; for it can be either compared to traditional schemes of utilitarian pursuits, or mistaken for digital-computational drawings.

The creation of this illusion is part of the artist’s game and of an intelligent art, since the relationship between Patrício and the objects raises doubts over the nature of things, in a mental exercise of proposition only admitted in the realm of high art: what is a mere artifact of everyday life is also a compositive module of the artistic project. This duality, a priori, is the main paradigm of this rigorous plastic conception, in which the enigma is what attracts us like a magnet.

What is impressive in Patrício’s work as a whole is how he brings the use of trivial objects and their transportation closer to the field of erudition. It is possible to establish connections between his propositions and modern classics, such as Gestalt theory, which establishes, through the gaze, relationships between the detail and the whole; the artist Marcel Duchamp, who revolutionized art history by musealizing industrial objects, and the writer Stéphane Mallarmé, a pioneering modernist, author of the emblematic poem “Un coup de des jamais n’abolira le hasard”.

This text was originally written in Brasília, Brasil, in July 2018.